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Memoria Esportiva

Pacaembu - Paixão Paulistana*

Os engravatados paulistanos que, no final da década de 30, passeavam pelo imenso vale verde que ligava a Avenida Doutor Arnaldo ao Largo Padre Péricles jamais poderiam imaginar que em tão pouco tempo aquele local estaria reservado às emoções do futebol. Não era, de fato, cenário ideal para se transferirem as disputas de um esporte que, até então, se concentrava em pequenos campos de bairros muito mais populosos - como o Parque São Jorge, no Tatuapé, onde o Corinthians mandava suas partidas desde 1928; ou o Parque Antártica, na Água Branca, propriedade do Palmeiras desde 1920. Talvez nem mesmo os índios aconselhassem que se colocasse uma bola para rolar por ali. Afinal, foram eles os primeiros a chamar aquele local de "terras alagadas", ou "Pacaembu", na língua tupi.

Contrariando as expectativas, porém, a idéia de construir o Estádio Municipal transformou-se logo em um grande sucesso. "O surgimento do Pacaembu, o maior estádio da América Latina na época, deslocou o e eixo do futebol do Rio para São Paulo. E passou a ser não somente um acontecimento esportivo, mas também social", testemunha o jornalista Ary Silva, cuja carreira, iniciada e, 1936, esteve sempre ligada à história do Estádio. Quando vereador, foi ele o autor do projeto de lei que, no início dos anos 60, lhe deu o nome de Paulo Machado de Carvalho definitivamente. Ary também comentou a primeira transmissão de um jogo de futebol pela TV no Brasil, em 1952. "Foi um Corinthians 2X São Paulo 1, direto do gramado".

 Bem antes que as imagens da televisão pudessem captar tudo o que acontecia naquela área de 14 476 m2 dedicados ao futebol, o Pacaembu já era uma festa. Mais precisamente desde o dia de sua inauguração, em 27 de abril de 1940. Um público de mais de 60 mil pessoas espremeu-se a partir das 10 horas da manhã para ouvir o pronunciamento do presidente Getúlio Vargas e assistir, no dia seguinte, à rodada dupla inaugural, envolvendo Palestra x Coritiba e Corinthians x Atlético Mineiro. Uma situação impensável nos dias de hoje. "O Palestra faturou o Coritiba por 6x2; depois, foi a nossa vez de passar por cima do Galo, no jogo de fundo, por 4x2", sintetiza Chico Mendes, folclórico torcedor corintiano presente à primeira tarde de Pacaembu. Seus charutos, distribuídos fartamente pelas arquibancadas nos dias de vitórias alvinegras, marcariam época nos anos 50.

Tempos em que só podia freqüentar o "próprio da municipalidade" quem estivesse devidamente trajado, com paletó e gravata. No corredor à frente do Grupo 2, único lugar em que se assistia aos jogos confortavelmente sentado, aconteciam verdadeiros desfiles, com senhoras exibindo seus vestidos de noite nos intervalos de grandes clássicos. "Era o futebol ganhando novo impulso", constata o ex ponta-direita Luizinho, um dos ídolos do São Paulo dos anos 40.

Se a cidade já havia roubado do Rio de Janeiro (onde se encontrava o Estádio de São Januário) o privilégio de Ter a maior praça de esportes do país, o tricolor, por sua vez, infligiu aos cariocas uma perda mais contundente ao comprar, junto ao Flamengo, o passe de Leônidas da Silva. Verdadeiro Pelé dos anos 40, seu jogo de estréia, um 3x3 contra o Corinthians, pelo campeonato de 1942, ainda hoje causa polêmica. Seria verdade que, naquele dia, estiveram presentes ao estádio incabíveis 71 mil pessoas? Mais que multidões, porém, Leônidas arrastava títulos, como os de 1943, 45, 46, 48 e 49, que fizeram do São Paulo o dono absoluto da primeira fase do Pacaembu. "Só nós fazíamos frente a eles", reivindica em nome do seu Palestra Itália o lendário Oberdan Cattani. E com razão. Naqueles anos, apesar de efetuar contratações do nível de Domingos da Guia (em 1944) e manter artilheiros da Era Pré-Pacaembu, como Servílio e Teleco, o Corinthians teve de se contentar com a conquista solitária de 1941, amargando um jejum de dez anos. Assim, só o Verdão faturava tudo o que o São Paulo não podia carregar. Foi o que aconteceu em 1942, 44, 47 e 50.

Cada uma destas guerras anuais, sempre tendo como palco o Pacaembu, era disputada palmo a palmo não só dentro de campo, mas também nas arquibancadas. Havia uma verdadeira batalha de torcidas, em que a graça estava em superar os rivais na originalidade das alegorias e gritos de guerra. Comandando o malabarismo dos corintianos com suas placas e bandeiras, estava Casanova, um famoso coreógrafo profissional. O maestro Zaccaro, pai de um conhecido apresentador de televisão paulistano, era quem regia os palestrinos, e até a Portuguesa contava com a animação de Zilda Matos, a primeira mulher a chefiar torcidas no Brasil. Pouco depois, o São Paulo, com seu grupo de estudantes imaculadamente vestidos de branco, entrava também nesta disputa extra-campo. "Tudo o que se vê em matéria de coreografia nas aberturas dos Jogos Olímpicos, e que deixa o resto do mundo tão admirado, já era feito muito antes, aqui mesmo, no Pacaembu", garante Ary Silva.

 A essa altura, a fase dourada do estádio, assim como a de todo o futebol brasileiro, ainda estava por vir. Tempos do grande time do Corinthians, que quebrou o jejum de vez em uma partida matinal contra o Guarani, em 1951, repetiu a dose em 1952 e fez de Luizinho uma lenda depois do título do IV Centenário da Cidade, 1954. Mas aqueles foram também tempos do supercampeonato do Palmeiras, por obra de craques como o ponta Julinho, que admite, até hoje: "Cada partida no Pacaembu, como a decisão de 59 contra o Santos, tinha mesmo um sabor diferente".

Nessa década feliz, em que até o Peixe subiu a serra para apresentar o Rei do futebol ao mais querido dos estádios, a única frustração talvez tenha ficado por conta d Seleção Brasileira. Ferido por não ver em campo o corintiano Cláudio, um de seus filhos mais queridos, e contagiado pelo clima de bairrismo exacerbado da época, o Pacaembu não soube entender aqueles onze homens que suaram para empatar com a Suíça em 2 x 2, no único jogo do Brasil em São Paulo válido pela Copa de 50. E vaiou-os como se fossem estrangeiros. Oito anos depois, no entanto, o estádio se redimiu com uma orgulhosa inscrição acima da saudosa concha acústica, colocada logo após a conquista na Copa da Suécia: "Salve os campeões do mundo!"

Uma euforia justificável, já que boa parte dos heróis de 1958 pertenciam ao Santos de Pelé e à Academia do Palmeiras, que passaram a protagonizar os maiores jogos do estádio nos anos 60. "Duelávamos com eles de igual para igual", garante o palmeirense Julinho. "Entrávamos naquele gramado sempre tranqüilos e felizes", retruca o ponta-esquerda santista Pepe. Nem poderia ser diferente: dos títulos disputados ali, entre 1958 e 1969, o seu Santos só perdeu três: os de 1959, 63 e 66.

Todos eles para o Palmeiras. Nada mais natural, portanto, que qualquer time subisse o túnel do Pacaembu com idéia fixa de vencer aquele super-Santos. Alguns alcançaram projeção nacional por este caminho, como o Cruzeiro, que, como um show de bola de Tostão e uma virada por 3x2 sobre o time de Pelé & Cia., conquistou a Taça Brasil de 1966. Mas ninguém sonhou tanto e por tão longo tempo com uma vitória sobre o time do Rei quanto o sofrido Corinthians do final dos anos 60. Por isso, quando ela veio afinal, em 6 de março de 1968, após onze anos e 22 jogos de provação, o estádio viveu a festejada de suas. "Fui reconhecido como um dos homens que quebraram o tabu até durante uma excursão ao Japão", resume a importância do fato o ex-ponta corintiano Paulo Borges, autor do primeiro gol nos 2x0 que enterraram a escrita. Ali o estádio viveria um dos seus últimos momentos de glória absoluta.

No ano seguinte com a substituição da tradicional concha acústica pelo tobogã - um íngreme lance de arquibancada para aumentar a sua capacidade e que acabou por diminuí-la - , o velho Pacaembu foi cedendo cada vez mais espaço ao recém chegado Morumbi. No dia três de setembro de 1972, para um público de 40.000 pessoas, o estádio preferido dos paulistanos reunia são-paulinos e palmeirenses numa de suas grandes decisões. Luís Pereira, zagueiro que, naquele dia, garantiu o 0x0 e o título para o Verdão, guarda uma certeza: "Naquele gramado, sente-se o clima do jogo e o calor da torcida como em nenhum outro. É o melhor lugar para se disputar uma decisão"

*texto extraído da Revista Placar nº 1082, de abril de 1993.